terça-feira, 11 de dezembro de 2007

O fim.

Ainda ontem nesta banheira depositava o meu corpo nu, excitado e no êxtase de sentir um outro corpo, uma outra dimensão. A água efervescente beijava cada poro plantado nesta pele desinquieta. Subtilmente toquei o que outras mãos haveriam de tocar, noutro dia, noutra hora, num segundo que durava horas, num prazer simples e puro. E tudo parecia estar perto demais. O vapor sufocava-me num gemido seco e quente. Eu sabia que este cadáver a alguém o entregaria, sabia que dentro de alguém conseguiria voltar a viver, a sentir. E a água começava a arrefecer, os meus olhos pesados fechavam a cada compasso de espera, a cada segundo que as velas ardiam em meu redor. O cheiro a baunilha penetrando em mim, excitava cada interstício meu. E o suor escorria pela minha face quente e cansada de tudo. Tinha a certeza que alguém me iria matar esta sede dentro de mim. Alguém apagaria um fogo que acendera algures cá dentro. Era a minha grande certeza que numa exalação fugaz se transformou numa impossibilitada dúvida, um esboço para sempre inacabado.
Hoje é um duche. E embora a água esteja quente, já não a sinto como tal. Agora retraio cada centímetro do meu corpo. E fecho os olhos a este inferno. Oculto o nu que outrora exibia perante gotas de água escaldante, esmurro o vazio que aprisionou este cadáver que vendia sem pudores. Escondo a escultura deformada por entre os lençóis do medo e do desespero. Deixo-as cair, lágrima a lágrima, a raiva escorre em mim. Segundo a segundo imobilizo. E vejo esse alguém por entre as cortinas de vapor, longe, cada vez mais longe. Corpo gélido e ténue, olhos frios e secos, palavras frouxas e magoadas. Duche fatal que nunca quis enfrentar mesmo sabendo desesperadamente que estas asas quebrariam. As muralhas que construí não foram fortes o suficiente, ou então este rio abundante era efémero demais e não o soubeste preservar no seu curso. Não fomos capazes.
E ainda choro sobre as fotos, ainda choro ao som de tudo o que era nosso e agora apenas faz parte de recordações que nem sei se irás recordar. Ainda consigo sentir esse teu cheiro tão próprio. Ainda consigo sentir os teus braços apertados contra o meu corpo trémulo e tão feliz por te ter. Sim, ainda te sinto aqui. E fraquejo a cada momento que me apercebo que acabou mesmo. A revolta é tão grande a dor queima mais que fogo e a tua ausência mata cruelmente cada pedaço de mim, cada olhar quebrado através da janela, a cada sussurro perdido na noite, a cada amo-te que não chegaste a retribuir. Nada quis que nós déssemos certo, tudo se opôs, tudo. E a minha força esgotou-se ao fim de todo este tempo.
Só espero que ao fim de tudo isto consigas perceber os esforços que fiz, as lágrimas de sangue que derramei para que ficasses bem. Eu punha-te a ti à minha frente se fosse preciso, mas tu só fizeste isso no início, depois tudo vinha primeiro que eu, e eu não sou segunda escolha para ninguém.
Isa Abreu

2 comentários:

Isa Mestre disse...

Por mais que a vida nos mude, para mais longe que o destino nos leve, hei-de sepre sentir com uma parte desse coração que escreve. Esse coração que um dia escreveu em uníssono com o meu. A duas vozes. A duas canetas. Há coisas que nunca mudam.

Matilde TMoraes disse...

Quem disse que viver é fácil? Tens de sofrer e sentir na tua pele tudo para cresceres. Um dia, agradecerás a quem te magoou. Dói, mas acaba sempre por passar..

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