terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Rotina perturbante

Chego a casa. Mais um dia cinzento, esfumado e estático. Mais um cinzeiro atafulhado no vício da vida, no stress do trabalho, no desejo animal. A cidade anoitece e com ela as mais escondidas agonias despertam. As mulheres saem à rua, carregando consigo a aguda dor da humilhação, o desespero e a angústia. Os homens atestam os bolsos, acedem o charuto e vão atrás delas. Sentem-lhes o cheiro, como cães com o cio, como animais famintos, como inferno ardente sobre um céu de neve. O sexo esfuma-se por cada cigarrilha incandescente, cada olhar sombrio na noite psicadélica. O seu fedor cruza cada esquina assanhada e ataca os narizes peludos e torcidos dos homens que num corrupio se avultam e toleram que a saliva lhes escorra pelas bocarras enormes e envelhecidas. As fêmeas de rabo alçado balanceiam as ancas libertando a sua essência, despertando a fome do sexo oposto. E assim correm as noites, assim corre o amor/ódio de cada um de nós, assim é derramado o sémen pútrido e infecto de cada mastro pela noite erguido, assim são invadidos os espíritos vadios de esboços enevoados pelas ruas negras e fétidas. E mais um cigarro que arde preso entre os meus lábios secos e esgotados pela labuta destes dias e noites que se parecem tanto uns com os outros. Saio de mim mesmo, transponho-me e embarco nas melodias ensurdecedoras da cidade consumida e suja. A neblina encobre os corpos rasgados das prostitutas drogadas de sexo e cuspo. Verto lágrimas de sangue sobre esta cidade, purifico a podridão que nela reina, não quero ficar presa nesta realidade. Vendo este corpo a mim mesma e nem sei o que fazer com ele. A inocência esgotou-se em mim e ainda assim me sinto tão pura dentro desta existência. O sexo apodrece e renasce dentro de cada um. A cada noite que passa, ele possui cada corpo, cada alma enraivecida e assombrada pelo castigo do dia que não absolve um erro nem apazigua a nódoa da idade. E a noite queima tudo o que o dia planta em mim, a noite abraça o meu desassossego e beija o meu pânico, enquanto o dia me assombra e despedaça cada ilusão secreta e absurda.
Isa Abreu

2 comentários:

Anónimo disse...

Já pensas-te em mandar o que escreves para alguma editora ou coisa do genero? Parabens textos lindos! ;)

Anónimo disse...

Nota-se uma escrita mais adulta, mais crua e forte, porém ainda com laivos de inocência.
Mais desiludida mas não completamente desistente.

Continua, my nr.21

(Quanto a erro, só tenho a apontar uma provável distracção: o "sujeito-narrador" ter falado no masculino e, logo após instantes, no feminino, um pouco depois do meio do texto.)

Quero ler-te mais.
Já li o texto mais recente mas nada poderei dizer que te possa curar.
(e num sussurro: ele nunca te mereceu. tu sempre lhe deste muito mais de ti do que ele te deu dele. ele é egoiste. ou talvez não saiba o que é amar.)

You are very strong. Stronger than you think, you'll see. Vê se páras de sofrer, já chega. Sê feliz.

(E não te zangues comigo... ;_; )

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